No ano de 1979 a escritora (e professora, poeta, ensaísta
entre tantas outras coisas maravilhosas que abordaremos em posts posteriores)
Ana Cristina Cesar publicou um ensaio chamado “Literatura e Mulher: essa
palavra de luxo”, onde a autora discorre a cerca da existência e definição de
uma “poesia feminina”, sua recepção e qual é o espaço que é, ou que deveria ser
ocupado pela mulher na literatura. Em seu ensaio, Ana se baseia em publicações
de duas poetisas consagradas: Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa, apontando nestas,
aspectos que mostrem o motivo de ambas serem referências quando se trata da
chamada “Escrita Feminina”.
A priori, é importante dizer que de forma alguma a intenção
de Ana Cristina Cesar é rebaixar e deslegitimar a importância e presença de ambas
as poetisas na nossa literatura, mas sim questionar a construção dessa
literatura que, num sentido geral, não ilustra uma realidade da vida da mulher,
sendo uma escrita muito mais etérea e pouco visceral.
A autora já abre o ensaio com alguns questionamentos,
selecionei dois dos quais acho que resumem bem a intenção de Ana com esse
ensaio que são: " - Haverá uma poesia feminina distinta, em sua natureza,
da poesia masculina? (...) Poder-se-ia
dizer que o homem é mais intelectual ou então se aprofunda mais? ...". Num
segundo momento, Ana fala sobre a existência de um senso comum do que se espera
numa produção literária de autoria feminina, como por exemplo, uma sensibilidade
extremada, subjetividades e fantasia, características facilmente encontradas
nos escritos de Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa, o que explica bem a
posição referencial das duas poetisas dentro desse recorte feminino na
literatura.
“Tudo
resvala, flui e anda nesta poesia. Em tudo isto é de feminina delicadeza,
aflorando as coisas, os seres, com dedos fugidios, tocando-os de encantamento.
(...) A sensualidade
volatiliza-se ou afunda-se em golfos de afetividade tão arguta e dilatada que
leva à intelecção do mundo.”
(Ana Cristina Cesar, 1979 apud Armando Freitas
Filho, 1999)
“Em
Cecília Meireles tudo é oceano, a terra, a vida, tudo é uma vaga que joga pra
cá, pra lá, sem direção e sem vela, o poeta. O mar torna-se antes de tudo a
imagem de um sentimento, de uma experiência psíquica. Mas encontro também esse sentimento
nos romancistas fenomenologistas, desde Kafka até Camus, e por isso não posso
considerá-lo um elemento puramente feminino.”
(Ana Cristina Cesar,
1979 apud Armando Freitas Filho, 1999)
Sem dúvidas há, em Cecília
e Henriqueta, aspectos que ilustram o senso comum, mas segundo Ana, isso não
passa de mero acaso, pois essa diferenciação entre feminino e masculino só
acontece na sexualidade, é algo físico. Já no âmbito social, que é o que
realmente constrói e interferem na escrita, já que o ser é produto da cultura
do meio e da época. Além disso, é possível também encontrar características
dessa escrita em textos produzidos por homens, como também pudemos ver no post anterior sobre o livro de Lúcia Castello Branco.
Concluindo, em partes, os
pensamentos de Ana nesse ensaio, é inegável a importância de Cecília e
Henriqueta para a poesia nacional, sobretudo por serem mulheres. Acontece que
as produções são descritas como “Escrita Feminina” muito mais por questões
estéticas o que por ambas se imporem como mulheres e, apesar disso, todas as
mulheres que escreveram após as duas, embarcaram nessas mesma estilística.
Sendo assim, basta levantar um estudo sobre as críticas da escrita dessas
mulheres, sobretudo de Cecília, para se ter um retrato da literatura de mulher.
No próximo post falarei
sobre uma errata desse mesmo ensaio publicado por Ana Cristina Cesar, onde a
autora discursa sobre o contato com um novo tipo de escrita produzida por
mulheres. Até lá!
Fonte: CESAR, Ana Cristina, 1952-1983. Crítica e Tradução/Ana Cristina Cesar;[prefácio Alice Sant’Anna]. – 1ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. Disponível em: https://issuu.com/gabrielasobral1/docs/literatura_e_mulher_essa_palavra_de