segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A escrita feminina pela ótica de Ana Cristina Cesar


    No ano de 1979 a escritora (e professora, poeta, ensaísta entre tantas outras coisas maravilhosas que abordaremos em posts posteriores) Ana Cristina Cesar publicou um ensaio chamado “Literatura e Mulher: essa palavra de luxo”, onde a autora discorre a cerca da existência e definição de uma “poesia feminina”, sua recepção e qual é o espaço que é, ou que deveria ser ocupado pela mulher na literatura. Em seu ensaio, Ana se baseia em publicações de duas poetisas consagradas: Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa, apontando nestas, aspectos que mostrem o motivo de ambas serem referências quando se trata da chamada “Escrita Feminina”.
    A priori, é importante dizer que de forma alguma a intenção de Ana Cristina Cesar é rebaixar e deslegitimar a importância e presença de ambas as poetisas na nossa literatura, mas sim questionar a construção dessa literatura que, num sentido geral, não ilustra uma realidade da vida da mulher, sendo uma escrita muito mais etérea e pouco visceral.
    A autora já abre o ensaio com alguns questionamentos, selecionei dois dos quais acho que resumem bem a intenção de Ana com esse ensaio que são: " - Haverá uma poesia feminina distinta, em sua natureza, da poesia masculina? (...)  Poder-se-ia dizer que o homem é mais intelectual ou então se aprofunda mais? ...". Num segundo momento, Ana fala sobre a existência de um senso comum do que se espera numa produção literária de autoria feminina, como por exemplo, uma sensibilidade extremada, subjetividades e fantasia, características facilmente encontradas nos escritos de Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa, o que explica bem a posição referencial das duas poetisas dentro desse recorte feminino na literatura.

“Tudo resvala, flui e anda nesta poesia. Em tudo isto é de feminina delicadeza, aflorando as coisas, os seres, com dedos fugidios, tocando-os de encantamento. (...) A sensualidade volatiliza-se ou afunda-se em golfos de afetividade tão arguta e dilatada que leva à intelecção do mundo.” 
(Ana Cristina Cesar, 1979 apud Armando Freitas Filho, 1999)

“Em Cecília Meireles tudo é oceano, a terra, a vida, tudo é uma vaga que joga pra cá, pra lá, sem direção e sem vela, o poeta. O mar torna-se antes de tudo a imagem de um sentimento, de uma experiência psíquica. Mas encontro também esse sentimento nos romancistas fenomenologistas, desde Kafka até Camus, e por isso não posso considerá-lo um elemento puramente feminino.” 
(Ana Cristina Cesar, 1979 apud Armando Freitas Filho, 1999)

    Sem dúvidas há, em Cecília e Henriqueta, aspectos que ilustram o senso comum, mas segundo Ana, isso não passa de mero acaso, pois essa diferenciação entre feminino e masculino só acontece na sexualidade, é algo físico. Já no âmbito social, que é o que realmente constrói e interferem na escrita, já que o ser é produto da cultura do meio e da época. Além disso, é possível também encontrar características dessa escrita em textos produzidos por homens, como também pudemos ver no post anterior sobre o livro de Lúcia Castello Branco.
    Concluindo, em partes, os pensamentos de Ana nesse ensaio, é inegável a importância de Cecília e Henriqueta para a poesia nacional, sobretudo por serem mulheres. Acontece que as produções são descritas como “Escrita Feminina” muito mais por questões estéticas o que por ambas se imporem como mulheres e, apesar disso, todas as mulheres que escreveram após as duas, embarcaram nessas mesma estilística. Sendo assim, basta levantar um estudo sobre as críticas da escrita dessas mulheres, sobretudo de Cecília, para se ter um retrato da literatura de mulher.

   No próximo post falarei sobre uma errata desse mesmo ensaio publicado por Ana Cristina Cesar, onde a autora discursa sobre o contato com um novo tipo de escrita produzida por mulheres. Até lá!

Fonte: CESAR, Ana Cristina, 1952-1983. Crítica e Tradução/Ana Cristina Cesar;[prefácio Alice Sant’Anna]. – 1ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. Disponível em: https://issuu.com/gabrielasobral1/docs/literatura_e_mulher_essa_palavra_de


quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O que é a Escrita Feminina?


   O que será que um texto precisa ter para ser categorizado como escrita feminina? Será que ele precisa ter sido escrito por uma mulher? Será que tem mais a ver com a estilística do texto?

  Bem, segundo a autora Lúcia Castello Branco, em seu livro “O que é a escrita feminina?”, lançado em 1991, o que se delimita como “Escrita Feminina” tem pouco a ver com uma categorização sexual, mas sim com a estética do texto, sendo assim, é possível entender que a escrita feminina pode ser identificada, inclusive, na escrita de homens.
   A partir da análise de vários textos escritos por mulheres, a autora conclui que, inicialmente, os temas tratados por essas mulheres eram diferentes: elas falavam sobre a maternidade, o próprio corpo, a infância, etc. Essas temáticas se explicam a partir do contexto histórico: já que as mulheres não iam para as guerras, elas não escreviam textos épicos, por isso a preferência por textos autobiográficos, pois o mesmo têm relação com essa questão da memória, da casa, da infância e do "eu".
Se tratando de estética, a autora analisa que esses textos possuem certo tom, ritmo, uma dicção diferenciada e uma respiração própria, como podemos ler no trecho:

“Mas o que me interessava, já de início, residia não tanto
nas profundezas dos textos produzidos pelas mulheres,
mas em sua superfície: na inflexão da voz, na respiração
em geral simultaneamente lenta e precipitada, no tom
oralizante de sua escrita. E essas características – cedo eu
admitiria – não se restringiam aos textos produzidos por
mulheres (...)” (BRANCO, 1991:14)

   No trecho destacado é possível perceber que essas características descritas pela autora também são encontradas em textos de autoria masculina, como de James Joyce e Guimarães Rosa, por exemplo. Sendo assim, retoma-se a afirmação de a Escrita Feminina, como estética, não ser exclusiva de mulheres.
   Tendo em vista todo o conteúdo abordado tendo como base o livro de Lúcia Castello Branco, podemos concluir, como a própria autora, que todas essas características que se constroem como Escrita Feminina se torna, na verdade, um resumo da teoria e prática dessa escrita.

“(...) o fato de a escrita feminina não ser exatamente a escrita
das mulheres, mas de estar sempre relacionada à mulher, seja
pelo grande número de mulheres que escrevem nessa
dicção, seja pela evidência com que esse discurso se
manifesta no texto das mulheres, ou ainda pela ‘mulheridade’
que está implicada na escrita feminina, mesmo quando ela é
praticada por homens.” (BRANCO, 1991: 20)


Fonte: BRANCO, Lucia Castello. O que é escrita feminina. 1 Ed. São Paulo : Editora Brasiliense. 1991

Objetivos...

Olá, leitores.
Criado para a disciplina NEPE IV da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, este blog tem por objetivo discutir o que vem a ser "Escrita Feminina", abordando o que, por teoria, definiria esse estilo de escrita e como tais características se apresentam (e se elas existem) na prática. Após, haverá a apresentação de três escritoras incríveis que, cada qual da sua forma, subverteram seus espaços.
Espero que seja do agrado de todos.
Abraços!