"Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz
poesia como faz bom tempo: está à lei, não dos homens, mas de Deus"(Carlos
Drummond de Andrade sobre Adélia Prado em um artigo publicado no Jornal do
Brasil em 1975)
Nascida no ano de 1935, na
cidade de Divinópolis, Minas Gerais, Adélia Luzia Prado de Freitas, ou apenas
Adélia Prado, é uma autora, professora,filósofa e contista que, em suas obras,
aborda desde o cotidiano doméstico, até a sexualidade e o catolicismo.
Adélia começou a escrever
aos 15 anos, logo após a morte de sua mãe, mas foi em 1976, quando a autora enviou
alguns manuscritos para Affonso Romano de Sant'Anna, que na época assinava uma
coluna literária no Jornal do Brasil. Admirado com os escritos de Adélia,
Affonso enviou esses poemas para Carlos Drummond de Andrade que, encantado,
logo apoiou a publicação do livro pela editora Imago. Sendo assim, aos 41 anos
Adélia dá a luz à "Bagagem", seu primeiro livro de poesia. Falando em
Drummond, “Com licença poética”, livro que abre o livro da poeta, faz uma paródia
do “Poema de Sete faces” do autor. No ano de 1978, Adélia Prado lança “Coração
Disparado”, seu segundo livro de poesias que lhe rendeu um Prêmio Jabuti.
Em 1994, após o lançamento
de "O Homem da mão seca", a escrita de Adélia passou por um hiato, período
chamado pela autora de "Silêncio Poético", durante 5 anos Adélia não
publicou um conto se quer e só em 1999 ressurgiu com o lançamento de
"Oráculos de Maio". Após isso, entre prosas e poesias, Adélia segue
nos presenteando com os seus escritos. Seu último lançamento foi em 2018 com o
livro "Filandras", publicado pela Record.
Hoje em dia Adélia tem 83
anos e ainda vive em Divinópolis com a sua família.
Abaixo, deixo para vocês alguns poemas* da incrível Adélia Prado.
Abaixo, deixo para vocês alguns poemas* da incrível Adélia Prado.
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Momento
Enquanto
eu fiquei alegre,
permaneceram um bule azul com um descascado no bico,
uma garrafa de pimenta pelo meio,
um latido e um céu limpidíssimo
com recém-feitas estrelas.
Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.
Fragmento
Bem-aventurado o que pressentiu
quando a manhã começou:
não vai ser diferente da noite.
Prolongados permanecerão o corpo sem pouso,
o pensamento dividido entre deitar-se primeiro
à esquerda ou à direita
e mesmo assim anunciou paciente ao meio-dia:
algumas horas e já anoitece, o mormaço abranda,
um vento bom entra nessa janela.
Grande Desejo
Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia,
sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.
Faço comida e como.
Aos domingos bato o osso no prato pra chamar o cachorro
e atiro os restos.
Quando dói, grito ai,
quando é bom, fico bruta,
as sensibilidades sem governo.
Mas tenho meus prantos,
claridades atrás do meu estômago humilde
e fortíssima voz para cânticos de festa.
Quando escrever o livro com o meu nome
e o nome que e vou pôr nele, vou com ele a uma igreja,
a uma lápide, a um descampado,
pra chorar, chorar, e chorar,
requintada e esquisita como uma dama.
Ensinamento
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
'coitado, até essa hora no serviço pesado'.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
* todos os poemas foram retirados do livro "Bagagem".
Abraços!
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