“Te apresento a mulher mais discreta do mundo: esta que não
tem nenhum segredo.”
(Noite Carioca, Ana Cristina Cesar)
Geminiana, nascida no dia 02 de Junho de 1952, Ana Cristina Cruz
César, mais conhecida como Ana Cristina Cesar ou Ana C., foi poeta, tradutora,
crítica literária e professora. A história de Ana com a escrita começa antes
mesmo de ela aprender a escrever. Com apenas seis anos, a mini-poeta já ditava
poemas para que sua mãe escrevesse, mas foi na década de 70 que a literatura de
Ana C. se consolidou na literatura brasileira, sendo um dos principais nomes da
chamada “Geração Mimeógrafo”, um movimento literário que, para não se submeter
às regras de censura para publicações na época, criou meios alternativos para
produzir e vender seus livros. E foi assim, de forma independente, que a autora
lançou seus dois primeiros livros: Cenas de Abril e Correspondência completa, ambos
em 1979.
A escrita de Ana permeia assuntos que vão desde relatos
cotidianos até relatos que beiram a crise existencial num misto de ficção e
autobiografia confessional que, segundo a poeta, é uma autobiografia “fingida”.
Comumente, ao ler Ana Cristina Cesar, por causa da fluidez na leitura,
imaginamos ser uma escrita tão fluida quanto a leitura, mas em uma entrevista a
autora diz que, para ela, o processo de escrita é algo visceral e doloroso.
Em 1983, no dia 29 de Outubro, Ana dá adeus à vida ao pular
do oitavo andar do apartamento dos seus pais em Copacabana. Aos 31 anos a poeta
deixa a vida e nos deixa um rico acervo de escritos, tão apaixonantes quanto a
sua autora. Em 2016 Ana C. foi a homenageada da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty).
Além dos livros já citados, Ana lançou, em vida: os livros de
poesia Luvas de Pelica (1980), Ao teus pés (1982) e Inéditos e dispersos
(1985); e a crítica: Literatura não é documento (1980). Como publicação
póstuma, todas organizadas por Armando Freitas Filho, melhor amigo da autora
temos: os livros de poesia Novas Seletas e Poética(2015), este último reúne
toda a obra poética da autora; e o livro de críticas e ensaios Crítica e
Tradução (1999).
Abaixo, deixo algumas poesias* de Ana Cristina Cesar.
Deleitem-se!!!
samba-canção
Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi de graça,
pelo telefone – tai,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz...
Tudo o que poderia ter sido e nunca foi.
As cartas anônimas que não chegaram.
As madrugadas de Santa Tereza.
Punhetas.
A motocicleta furiosa,
o romance realista, imenso, impossível.
A paixão.
Ler apaixonadamente.
Ter medo.
Conferir os tipos caligráficos.
Procurar na lista telefônica o nº irreal.
Varal.
Sinos sinas hábitos varados fica decretado de hoje em diante
o início paraoficial do gran-festival solitário do anonimato.
soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quem saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés para amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
Quem é a loura donzela
Que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?
poema óbvio
Não sou idêntica a mim mesmo
sou e não sou ao mesmo tempo, no mesmo lugar e sob o mesmo
[ponto
de vista
Não sou divina, não tenho causa
Não tenho razão de ser nem finalidade própria:
Sou a própria lógica circundante
fotografando
Hoje estas delícias do banal me lembram
quando eu te amava à distancia –
trote galope de dois cavalos pelo mato
abro o livro do dever muito depressa
sacudo as folhas do alto da cabeça
e cai um aviso, mania de segredamento
“naquele dia...”
Lampejei.
*todos os poemas foram tirados do livro "Poética".
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